É possível que alguém já tenha usado o título aí de cima para falar do filme "Coração Vagabundo", de Fernando Grostein Andrade, sobre Caetano Veloso. Parodiando o famoso verso de "Vaca Profana" ("De perto, ninguém é normal"), o que vemos no documentário é um homem que é artista, e não o contrário. Isso quer dizer que Caetano é, antes de tudo, um ser humano como qualquer um de nós, com alegrias, angústias, tristezas, convicções, incertezas. E mesmo prosaico. O próprio cantor, em determinado momento, fala da decepção de algumas pessoas ao conhecê-lo, pois percebem que ele não é alguém inatingível, dono de um mistério permanente que se revela em forma de arte, imagem que certos artistas gostam de ostentar.
Diferentemente de muitos de seus colegas de geração, Caetano soube se recriar, realizando trabalhos tão distintos quanto inovadores e surpreendentes. Mantém-se relevante. Basta ouvir os seus três últimos álbuns de estúdio e compará-los com os anteriores e com a produção atual na MPB. O compositor tem sido mais radical musicalmente do que qualquer banda de rock brasileira de hoje. O último disco, "Zii e Zie", vai além do predecessor, "Cê", que já causara certo estranhamento em muita gente. Isso mostra uma inquietude extremamente saudável ao fazer artístico. Aos 67 anos, Caetano é uma verdadeira pedra rolante, desbancando a titia Jagger.
O competente Fernando retrata um Caetano por ele mesmo. Não há entrevistas formais como num documentário tradicional. Acompanhando as turnês nos Estados Unidos e no Japão do soberbo "A Foreign Sound", o filme traz imagens de shows, bastidores e programas de TV que mostram não só o profissionalismo do baiano, mas também suas fraquezas e idiossincrasias. Vemos desde a sua insegurança com relação ao domínio da língua inglesa à recusa em se deixar maquiar para uma atração televisiva. Porém, a câmera sempre em movimento, ávida, do jovem cineasta também expõe um Caetano Veloso fragilizado emocionalmente. Naquele momento, começava a ruir o seu badalado casamento com a empresária e produtora Paula Lavigne. Há cenas reveladoras sobre isso, como as em que os dois aparecem no apartamento americano do cantor. Eles riem, brincam, mas existe algo ali que não vai muito bem. A cena em que Caetano chora e se cala debruçado sobre um muro grita essas coisas silenciosamente.
"Coração Vagabundo" também serve para constatar o que muitos brasileiros fingem, ou não querem, reconhecer: a importância de Caetano como artista universal. Não apenas porque um monge budista no Japão ama a canção que dá título ao filme, tampouco porque recebe críticas elogiosas do "New York Times", mas porque sua Obra se impõe. Não à toa, o All Music, um dos melhores sites sobre música existentes, escreve isto sobre o autor de "Trilhos Urbanos":
"A true heavyweight, Caetano Veloso is a pop musician/poet/filmmaker/political activist whose stature in the pantheon of international pop musicians is on a par with that of Bob Dylan, Bob Marley, and Lennon/McCartney. And even the most cursory listen to his recorded output over the last few decades proves that this is no exaggeration".
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